quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A Fila anda...

Hoje recebi esse texto da minha amiga Silvia... achei o máximo...
Resolvi publicar aqui... Boa leitura...

A fila anda
Hoje acordei pensando que eu poderia ter a capacidade da Martha Medeiros ou do Arnaldo Jabor para escrever exatamente o que sinto sobre esta frase tão falada no momento: “ A fila anda”.
Fico imaginando como o ser humano é depreciado ao usarmos esta frase. Como se fizéssemos parte de uma fila de robôs em experiência. Testa-se um a um e a fila anda. Não há sentimentos, nem memória, nem família, nem amor.
Apenas uma fila que anda.
Devo penitenciar-me pois, até eu usei a frase tantas vezes sem me dar conta do que poderia estar significando. Faço parte da comunidade orkutiana: “ A fila não anda, voa”
Alguém se lembra desde quando começamos a usar esta expressão ou quando ela surgiu?
Sou madura, meio século. Minha lembrança é de que, quando jovem,os relacionamentos eram mais sérios. As pessoas se envolviam mais. Os homens não fugiam do namoro.Muito menos as mulheres. Casar era obrigatório para termos vida sexual.
Não que eu cultive a virgindade pré-nupcial. Claro que não! Mas, também não aceito a banalização do sexo! O encontro entre dois seres desta maneira tão profunda com certeza não é assim tão insignificante que não mereça maiores cuidados do que o uso do preservativo!
Sou de uma geração de transição entre a virgindade obrigatória e a crescente liberdade sem limites. Pelo menos ainda tenho boas lembranças. Havia romantismo. Havia Ray Conniff, Elvis Presley, Frank Sinatra e todos os ídolos da música italiana que faziam nossos bailes serem inesquecíveis. Os meninos tinham que ter a coragem para nos convidar para dançar e levar um não. As meninas corriam o risco de tomarem o famoso chá de cadeira. Éramos valentes.
Arriscávamos.Olho no olho, rostos colados.Mãos dadas, passeio pela praça ou pela orla da praia. Andar de mãos dadas era muito especial.
As coisas aconteciam de uma maneira singela.
Os homens que pediam seu telefone, realmente telefonavam. Os que pegavam na sua mão estavam realmente interessados em estar com você. Não havia o temor do compromisso. As pessoas queriam mesmo era namorar.Moças que não arranjavam namorados depois dos 20 anos já eram consideradas estranhas e com certeza iriam “ficar para tia” como se dizia na época.
Apesar da ditadura, ou até por causa dela, conservávamos certa pureza de sentimentos.A mulher era feminina.Usávamos mais saias.Os homens eram cavalheiros, aprendiam a dançar, abrir a porta do carro e a puxar a cadeira para a sua companheira se sentar.
Fico imaginando que naquela época a fila não andava. Nunca! Esperávamos namorar e casar e ter filhos.Nada de filas.Talvez os homens cultivassem algum hábito de pular a cerca , como era o termo da época, a maioria ainda idolatrando o lar e imaginando que com a esposa não teria a liberdade sexual que encontrava nos bordéis.
Isto parece muito antigo? Pois foi outro dia!
Não sei onde estive, como foi que eu não percebi a terrível mudança dos tempos e dos relacionamentos.
Ainda quero um homem que não tenha medo de ouvir um não!
Ainda preciso de alguém que goste de caminhar na praia de mãos dadas, que, se pedir meu telefone é porque vai ligar.
Se sair comigo mais do que uma ou duas ou três vezes, esteja disposto a assumir que queira namorar antes de fazer sexo. Quero alguém que, se for só fazer sexo, não tenha medo de se envolver. Qual é o medo? Sofrer? Ser depreciado? Comparado com o anterior (da tal fila que andou) ou com o próximo da fila? E as mulheres? Porque não conseguem mais esperar o tempo certo de fazer sexo? Será mesmo que precisamos testar todos? E a fila anda??
Não há mais namoro! Ou você fica ou você está enrolado.
Aliás, há namoro, mas são poucos. Hoje, o que se vê mais são os que ficam, aqui e ali, sem compromisso. Eu não posso entender este medo descomunal que os homens têm desta palavra. Ninguém obriga ninguém a ficar com quem não queira. Os casamentos se dissolvem mais a cada dia e os homens continuam com medo?? De que? De sofrer? De chorar? De amar? Qual é o problema?
Dizem que as mulheres independentes assustam os homens. Será? Medo de competição salarial? Medo do desempenho sexual? Medo de se tornar submisso? Medo exatamente do que?
Se não nos envolvermos, se não nos entregarmos, com certeza evitaremos o sofrimento, mas também fugiremos da oportunidade de voltar a amar. Estaremos colaborando para que a fila ande, banalizando de forma inevitável o outro, que é um ser humano como nós, com sentimentos, dúvidas, experiências amargas na bagagem, mas com capacidade infinita de amar, inerente a todos nós.
Não deixe a fila andar. Pare e se entregue. Seja responsável pelo que você cativa como nos disse sabiamente Antoine de Saint-Exupéry, em “O Pequeno Príncipe”.

Edna Sbrissa

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